quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Relato de Parto - João

Eu tive um não parto eletivo, uma cesária com data e hora marcada, eu vivi consequências dessa escolha, e após um tempo refletindo decidi que se um dia eu tivesse outro filho esse nasceria em seu tempo, de parto normal, isso era tudo!

Eu vivi muitas coisas antes de ser mãe, anos de infertilidade, aborto, descrença em Deus e em meu corpo, tudo isso passou, eu me dei a oportunidade de mudar, de pensar diferente de mudar conceitos e pré-conceitos.


Muitas pessoas passaram e deixaram marcas na minha maternagem, e é para elas e por elas que escrevo esse relato, para que saibam que as horas, dias, meses, cada palavra dita não foi em vão, eu PARI e foi lindo, mágico, maravilhoso e sim foi a melhor e mais intensa experiência de toda a minha vida!

Vamos aos fatos, tenho convênio, tenho acesso também aos Iamsp, e larguei tudo, fui pari no SUS, no Hospital M'Boi Mirim, extremo sul de São Paulo, na área mais periférica da cidade, lugar esquecido por Deus, lugar que eu nasci, cresci, casei, trabalho e vivo até hoje!

Logo que engravidei me vi dividia entre gastar o que eu não tinha com um parto dos sonhos, um VBAC (parto vaginal após cesária) em casa, com direito a banheira, doula, parteira, filme, foto, música ambiente, etc ou continuar guardando cada centavo do meu salário para ter a minha tão sonhada casa própria... Veja, eu a meses já tinha aberto mão de pequenos luxos, o orçamento já estava apertado, não dava para apertar mais, já tinhamos vendido o carro também e estávamos pagando um empréstimo pelo compra do terreno, eu teria que parir sem gastar nada e fim!

Fim nada, amigas do grupo de maternidade proporam fazer vaquinha, vender rifa, mas isso não era a minha cara, não acharia justo que as pessoas bancassem algo assim pra mim, pensei, chorei e decidi que não faria.

Eu tinha a opção de ir para o Amparo Maternal, de pagar só uma doula (se eu desejasse mesmo, daria para pagar), mas o Amparo fica longe de casa, seria complicado atravessar a cidade em trabalho de parto no horário de pico, imagina 2h de trânsito em São Paulo? Imagina se estivesse chovendo? Se houvesse um acidente? Se o marido estivesse longe quando fosse a hora de me levar no hospital e eu tivesse que esperar? O M'Boi Mirim fica a 3 quadras de casa, dava para ir a pé até lá e ficar com filho até o marido chegar, aliás, o filho mais velho também foi um fator determinante para a escolha do hospital, estando perto de casa seria mais fácil que meu marido dividisse as atenções entre a mulher;filho mais novo e o filho mais velho!

Ufa, explicações dadas vamos ao Relato!

06/02 - Sexta feira, senti uma vontade imensa de tomar um chá de maça com canela, e junto comer bolinho de chuva, sempre ouvi dizer que canela podia causar contrações, mas que se o bebe não estivesse pronto a canela nunca poderia induzir um parto, atendi meu pedido e fui limpar a casa. As contrações começaram vinham a cada 20 / 30 minutos, achei aquilo muito legal mas desencanei.

07/02 - Sábado, as contrações estavam apertada durante toda a manhã, eu mal conseguia organizar os últimos detalhes para o nascimento do João, lavei algumas coisas, brinquei com o meu filho mais velho, e meio dia entrei em contato com uma amiga Doula Bruna Rubio, começamos a contar as contrações virtualmente, vinham a cada 10 minutos, eu sentia bastante dor, ela me orientou a tomar um buscopam, um banho quente e descansar que pela frequência não era trabalho de parto, eu também descrevi a sensação para ela, eu sentia dor nas costas, que duravam quase 2 minutos e entre uma pontada e outra a dor não passava, ela pediu para eu contar só o tempo que a barriga ficava dura, mas a minha barriga não ficava dura nunca....rs.

Como eu sou uma pessoa bastante teimosa, fui passear com o filho, marido e um casal de amigos, passei a tarde caminhando no parque, sentindo contrações dolorosas com barriga as vezes mole outras dura, minha amiga começou a contar as contrações e elas estavam vindo de 4 em 4 minutos, eu duvidei, falei que não ia contar mais nada, que não estava em trabalho de parto e pronto, parei de avisar quando tinha dor e fui curtir o passeio, depois do parque fomos jantar no shopping e lá comecei a sentir uma dor muito mais forte, vinha como ondas, só que o espaço entre elas era de 20 / 30 minutos. Eu sabia que se eu chegasse cedo no hospital corria o risco de ser internada, ter o parto induzido com soro, e talvez até fosse levada para uma cesária, então vim para casa, tomei banho e fui dormir (e não tomei remédio algum)

08/02 - Acordei por volta das 4h da manhã, postei no grupo do face sobre a dor que eu estava sentindo:

"Meu Deus do céu, ninguém me contou que iria doer tanto as contrações...
Isso pq estão irregulares ainda...
Me expliquem o processo é assim mesmo elas primeiro aumentam de intensidade em relação a dor e depois diminuem/regulam o tempo?"


Recebi ajuda, orientação fiquei conversando, até que lá pelas tantas eu já não aguentava de dor, estava chorando, me jogando no chão e fui para o hospital, lá fui examinada, fizeram cardiotocografia, fizeram toque, me medicaram com buscopam direto na veia, eu dormi, acordei e novo toque, o diagnóstico foi dor nas costas devido ao esforço físico, cansaço e peso.

Buscopam é uma droga muito poderosa, dormi o dia todo do domingo... :)

09 e 10  / 2 - Foram dias normais, trabalhei, limpei a casa, curti o filho mais velho, tive contrações aos montes, dolorosas, com barriga dura, com barriga mole, subi e desci muitas escadas, trabalho em uma escola que tem 4 andares o banheiro fica no ultimo andar, as salas que eu trabalho no primeiro, era subir e descer a cada 50 minutos no máximo...

10/2 - Na noite do dia 10 fui visitar uma tia que voltava de viagem, trazia na bagagem requeijão e biscoito da terrinha, me acabei de comer, eu estava bastante cansada nesse dia, estava com umas contrações bem dolorosas e meio enjoada, por volta das 22h voltei para casa, o enjoo apertou e coloquei tudo para fora, foi um alívio, mas diferente dos vômitos do início da gravidez não quis comer nada depois, como estava sentindo um pouco de dor tomei um buscopam e fui dormir .

11/02 - 0h00 Acordei com a mesma dor que senti na madrugada do dia 08, tomei outro buscopam, mas a dor estava forte demais, acordei o marido e fomos novamente ao hospital, fui atendida logo que cheguei por uma enfermeira que me colocou no cardiotoco, bicho dos infernos, como eu sentia dor naquele negócio, não consegui ficar, eu me mexia toda hora, o aparelho perdia o sinal, enfermeira ficava falando, "precisa ver o coração do bebe, mãezinha fica calma", e eu gritando dizendo que eu não estava em trabalho de parto, que eu estava com dor nas costas, ela teimando que eu estava sim em trabalho de parto, que era assim mesmo... Me levou para a sala do médico, entrei xingando de Deus ao diabo de dor, o médico me deu uma bronca falando que ali não era igreja nem boteco, que era para ficar quieta para ele me examinar, eu me acalmei e falei que estava com muita dor, que precisava de um remédio, que eu não estava em trabalho de parto e sim com dor nas costas, ele fez o toque e enfiou o aminioscópio em mim, falou que eu estava com 3 cm de dilatação que iria fazer a medicação para dor e me examinaria em 2 horas.

Fiquei algum tempo esperando a medicação, com aquela dor insuportável nas costas, fiquei sentada no chão, com a cabeça apoiada em uma cadeira, era assim que me sentia mais confortável, era assim que a dor era mais suportável.

Tomei a medicação, a dor passou, que alívio, a enfermeira me levou para o cardiotoco (que saco esse aparelho) fiquei lá por uns 30 minutos, tentei contar as contrações mas elas não tinham rítmo, dormi, acordei e quando o exame acabou eu voltei para o chão, dessa vez com vontade de ficar de quatro, putz eu estava em um hospital, com chão sujo, mas eu nem liguei, ficava confortável assim, me sentia segura, eu sentia dor, uma dor suportável que aumentava de intensidade de tempos em tempos, mas que não passava nunca.

Umas 2h ou 2h30 da manhã fui chamada por outro médico, dessa vez uma mulher, ela olhou o cardiotoco, fez um toque, mexeu, mexeu e perguntou se minha bolsa tinha estourado, respondi que não que eu soubesse, falou que não estava sentindo o bolsão, chamou a enfermeira que disse que onde eu tinha ficado não estava molhado, terminou o toque e falou que iria me internar pois eu estava com 5 cm de dilatação.

Fui trocar a roupa, avisar o marido, esperar a liberação da "suíte de parto", marido assinar a internação etc, acho que por volta das 4h00 entrei na suíte, é importante falar que o tempo todo eu fiquei no chão, sentada, de quatro e não sei que horas começou mas eu sentia vontade de fazer agachamento ficando de cocoras quando sentia dor, levando bronca de todo mundo que me via, enfermeiras e auxiliares me perguntando o tempo todo o que eu estava fazendo e eu respondendo que estava aliviando a minha dor.

Quando entrei na suíte uma auxiliar entrou, me vendo de cócoras ficou revoltada, falando que eu , estava fazendo agachamento sem orientação, que estava errado etc, eu ignorei e perguntei se eu podia tomar banho, ela disse que não, que ali banho era terapêutico e eu só podia tomar com orientação, eu pedi para chamar meu marido, ela saiu e entrou a Eo, que me mandou subir na cama e parar de fazer agachamento, dizendo que meu filho ia nascer e cair no chão, que ia para a UTI, se eu queria matar ele na hora do parto, eu repetindo sem parar, se ele nasceu eu seguro ele, ele não vai cair no chão, mandou eu subir na cama e me examinou, 8 cm de dilatação, mandou eu ficar deitada de perna fechada e saiu.

Meu marido entrou e eu dei a notícia para ele, fiquei com vontade de continuar agachada, mas achei melhor ficar na cama mesmo, o medo começou a me atormentar nessa hora.

Na cama fiquei de joelhos, abaixada, como com quem está rezando, e quando as dores fortes vinham eu segurava na cabeceira da cama e fazia força, eu OBEDECI as vontades do meu corpo quase o tempo todo, fazia força quando ele pedia, relaxava quando sentia, me mexia, ficava de quatro e acho que isso foi essencial para o meu parto.

Eu subi na cama entre 4h30 e 5h da manhã, e próximo a 5h30 ultima hora que eu consegui ver o relógio que ficava no alto da cabeceira eu senti um "creque" dentro de mim, não sei o que foi, mas eu soube que esse "creque" indicava que o bebe iria nascer, avisei para o marido e pedi para chamar a enfermeira, veio a auxiliar, que pediu para eu deitar de barriga para cima e "olhou" de longe, sem me tocar nem nada e disse, "seu bebe não vai nascer", eu falei que ia sim, que eu estava sentindo, a Eo entrou e resolveu fazer outro toque, "dilatação total, agora espera eu me arrumar que seu bebe vai nascer", começou a se vestir, arrumou a cama, instrumentos etc, eu lá esperando em posição ginecológica, perguntei se eu podia ficar de quatro e ela respondeu que de jeito nenhum, que onde já se viu parir de quatro, eu lá olhando para ela de repente veja uma seringa e uma tesourinha, gritei na hora, "não me corta, nãaaaaoooo me corta".

Foi um momento de tensão, ela começou a falar que se precisasse iria me cortar, eu respondendo que deixasse eu me rasgar toda mas que não era pra me cortar, ela olhou pra mim, olhou para o marido e apelou "olha pai, ela está pedindo, eu não vou cortar, a responsabilidade é dela" ele olhou e respondeu tudo bem, não corta!

A tesoura foi tirada da mesa, levada para longe, eu já tinha orientado o marido que se tentassem me cortar era pra ele impedir.

A Eo falou que o bebe já estava para nascer, que era para fazer força nas contrações, que contrações?
Eu não sentia contração nenhuma, eu sentia dor, vez ou outra, o tempo todo uma dor suportável, mas dores fortes que eu achava que eram as contrações vinham só de vez em quando. Resolvi fazer força a hora que eu sentisse vontade de fazer, e eu sentia muita vontade de fazer, só que nessa hora, na hora da primeira força eu senti muito medo, falei para o marido que eu não queria fazer força, que eu estava com medo...

A Eo falou que não dava pra fazer mais nada, que o bebe já estava saindo e não dava para fazer cesária, que eu tinha que fazer força.

Fiz força, marido ajudou, me incentivando a fazer força, Eo falou para fazer duas forças que a segundo era mais eficiente, eu fazia força, Eo pediu para eu pegar na cabeça dele que já estava nascendo, eu sentia um misto de medo e dor tirei a mão logo, fiquei apavorada!

Tive câimbra na perna esquerda, isso dificultava a força, tive dor no quadril no meio de uma força e quis desistir, em um determinado momento, a pediatra entrou na sala começou a arrumar algumas coisas, marido me incentivando falou: "Faz força Ane, não desiste, você não quer ser cortada, então faz força".

Quando a pediatra ouviu isso começou a resmungar, "isso é coisa do Fantástico (da rede globo), tem que cortar sim, se precisar tem que cortar" eu ouvi e me concentrei na força, morrendo de ódio por dentro, sabendo que não precisava nem da episio nem das críticas, fiz força...

Senti o círculo do fogo, eram 5h59 e eu sabia que estava perto, me enganei, senti o círculo e ele nasceu no mesmo momento, a Eo ajudou, senti ela colocando a mão dentro de mim, me abrindo, não entendi porque ela fez isso,  colocaram ele no meu colo, a emoção tomou conta da sala, marido rindo com cara de bobo, eu chorando, tiraram ele, pesaram, limparam, kit completo, pensei em tentar negociar, mas achei que aquela pediatra que achava que o corte era obrigatório não iria aceitar nada do que eu dissesse.

Enquanto eu olhava boba para minha cria a enfermeira colocou soro e tirou a placenta, eu nem vi, fiquei só uns minutos soro, a Eo me examinou e disse que tinha uma laceração interna que precisava de ponto, perguntei quantos ela disse que pontos internos não eram contados.

Fui para a sala de recuperação com ele no meu colo, coloquei no peito na mesma hora, levei bronca outra vez, me perguntaram quem tinha autorizado a colocar no peito, eu respondi que eu mesma, reclamaram que não tinham meus exames, estavam todos lá, mas como eu não tinha o "cartão do pré natal" preenchido corretamente eles estavam esperando um exame que colheram quando eu dei entrada na internação. (o GO do convênio não quis preencher o cartão do pré natal e quando eu insisti ele fez de qualquer jeito).

E foi assim, rápido, intenso e maravilhoso parir mas...

- A violência emocional foi grande, o que mais me incomodou foram os olhares e palavras atravessadas quando eu obedecia o meu corpo, a ameaça do meu filho nascer e cair no chão foi uma covardia, eu teria sido mais feliz se tivesse parido de cocoras no chão ou de quatro na cama.

- O hospital tem equipamentos, aparelhagens e um quadro enorme na parede explicando posições para alívio de dor, a parte física do hospital tem tudo, absolutamente tudo para que lá seja praticado o parto humanizado, mas a parte humana deixa muito a desejar.

- A hotelaria do hospital é muito diferente de um hospital particular, a comida é horrível e não tem hora certa para chegar, as vezes o almoço vem as 11h outras 13h. Se você chama um enfermeira elas reclamam muito, então se for para lá tem que ir preparada para se virar sozinha no pós parto.

- Pra mim, ter parido lá ajudou muito com o filho mais velho, marido conseguia me ajudar (marido pode ficar das 10h as 21h) dar atenção para o filho e ainda atender alguns clientes, por isso não me arrependo.

- Na internação que durou 57 horas eu não dormi, durante o dia não se via nenhuma enfermeira e nenhum exame era feito, já de madrugada, de hora em hora vinha alguém me acordar para tirar sangue para fazer exame no bebe, as 5 h da manhã acordavam todo mundo para pesar o bebe e logo depois eram todas obrigadas a dar banho no bebe, menos eu, que dizia que quem ia dar banho era o pai, olhares tortos, ameaças e insinuações do tipo: "Ele não vai conseguir colocar o chuveiro na temperatura ideal", Sem contar que reclamavam o tempo todo porque eu dormia com ele na cama e não colocava no bercinho, a fala era sempre a mesma: "Seu filho vai cair e vai para a UTI". Eu ficava muito irritada com todas elas.

- Lá não aceitam doulas, na verdade até daria para a doula ser sua acompanhante no lugar do marido, mas tem que escolher um ou outro.

- Eu não tinha plano de parto, eu sabia dos riscos de ir para lá e sofrer VO, no fim, acho que o que me ajudou foi ter um TP rápido e fácil.

- No tempo de internação fui acompanhada por 6 mulheres diferentes, ou tinham tido cesária ou tinham sofrido uma indução, motivos para as cesárias uma "não teve passagem", outra o "bebe estava pélvico", teve uma com parto normal que teve  kristeller, as induções eram sempre iguais "bolsa rota".


Bom, acho que é isso...

Agora sou mãe de dois e tenho um VBAC... E vamos para as outras batalhas!













Um comentário:

  1. Olá, Ane! Meu nome é Carina Martins, vi seu relato através do grupo CNO e resolvi te contatar por aqui. Sou gestante (daí minha presença no grupo), mas sou também jornalista, e atualmente estou fazendo uma matéria grande sobre assistência ao parto. Achei seu relato muito interessante, por diversos motivos, e gostaria, se você topar, de conversar com você sobre a possibilidade de uma entrevista. Sei que você está com um bebezinho recém-nascido e tudo o que menos tem agora é tempo :-) Mas seu depoimento seria um acréscimo muito legal à matéria. Estou totalmente à disposição para te dar os detalhes. Se quiser, pode entrar em contato comigo através do Facebook mesmo, ou do email carinamartinsreal@gmail.com

    Muito obrigada e um abraço

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